terça-feira, 30 de julho de 2013

Duelos, segredos e matemática

Livro conta história de um episódio fundamental para o nascimento da matemática moderna e retrata uma das disputas mais virulentas da ciência renascentista.

Por: Marcelo Garcia


Duas das mentes mais afiadas do século 16 e uma questão: revelar ou não ao mundo o segredo da fórmula secreta da resolução das equações cúbicas? (imagens: Tartaglia e Cardano/ Wikimedia Commons)


Fórmulas misteriosas, duelos públicos, traições, genialidade, ambição – e matemática! Este é o instigante universo apresentado no livro A fórmula secreta - Tartaglia, Cardano e o duelo matemático que inflamou a Itália da Renascença, último lançamento da coleção 'Meio de cultura', da Editora Unicamp. A publicação resgata a história dos italianos Niccolò Tartaglia e Gerolamo Cardano e da fórmula revolucionária para resolução de equações do terceiro grau. Numa viagem que começa no Egito Antigo, passa pela Grécia, Mesopotâmia e Pérsia até chegar à Itália do século 16, a obra reconstitui um episódio polêmico que marca, para muitos, o início do período moderno da matemática.


Apesar de tratar basicamente de uma história sobre equações, não é necessário nenhum conhecimento prévio para seguir os passos dos protagonistas na Itália renascentista, retratada em vivas cores pelo autor, o físico experimental Fabio Toscano. No fim do século 15, a prosperidade comercial tornou comum na região a existência de escolas de matemática – uma área então bem diferente da atual: as escolas focavam a resolução de casos específicos e não a identificação de regras gerais, por exemplo, e como não existia um sistema de símbolos estabelecido, as equações eram escritas com palavras. 

Nesse contexto, acompanhamos a trajetória de Tartaglia. Pobre, autodidata e gago desde a infância – após receber um golpe de sabre no rosto –, ele faz sucesso na juventude em curiosos duelos de conhecimento com outros sábios, comuns na Itália do século 16 e decisivos para impulsionar ou destruir carreiras. 
Num duelo de conhecimentos, Tartaglia resolveu, sem revelar o método, equações cúbicas tidas como impossíveis, feito que chamou a atenção de Cardano

Em um desses duelos, Tartaglia derrota com facilidade o veneziano Antonio Maria Fior ao resolver – sem revelar seu método – problemas de um tipo julgado insolúvel: os “cubos e coisas iguais a número” – equações de terceiro grau do tipo x3 + ax = b. 

A notoriedade do feito vai aproximá-lo de outro brilhante intelectual de sua época, Gerolamo Cardano, obcecado pela ‘fórmula secreta’. Os dois constroem uma relação conturbada, marcada por amizade e hostilidade, que caminha rumo a um derradeiro e inevitável desafio. No processo, a matemática passará por avanços incríveis, com a descoberta de regras gerais para a resolução de equações do terceiro e do quarto graus, além de tangenciar a importante discussão sobre a necessidade de tornar públicos ou não conhecimentos científicos revolucionários. 

Nas páginas da história

A partir de muitos documentos históricos e variadas fontes bibliográficas, Toscano não só apresenta a polêmica entre os italianos, mas mergulha fundo na história da álgebra. A viagem nos leva a conhecer contribuições e conquistas de egípcios, gregos e árabes para a matemática (como a substituição dos algarismos romanos pelos indo-arábicos e a descoberta da solução para equações do segundo grau), além de explorar a estagnação de quase dois mil anos que se abateu sobre o campo – quebrada por Tartaglia e Cardano
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Homem de muitos talentos, Tartaglia atuou em diversas áreas do conhecimento e foi, inclusive, precursor de um novo campo, a balística - apesar de nunca ter disparado um tiro. (foto: Flickr/ lndhslf72 – CC BY-NC-ND 2.0)

A minúcia com que Toscano reproduz os documentos históricos acrescenta um sabor especial à narrativa. Muito da relação entre Tartaglia e Cardano está registrado na profícua correspondência trocada pelos dois – em cartas privadas e comunicados públicos. A partir da transcrição desses documentos é possível vislumbrar suas inseguranças, seus ressentimentos e os subterfúgios que utilizam para atingir seus objetivos. No entanto, essa opção também representa o ponto fraco do livro, já que a reprodução exagerada e repetitiva dos originais acaba por tirar o ritmo da parte final da obra. 
A partir das muitas cartas trocadas entre os matemáticos é possível vislumbrar suas inseguranças, ressentimentos e os subterfúgios que utilizam para atingir seus objetivos 

Ainda assim, é preciso destacar a habilidade de Toscano em apresentar a matemática de forma simples. O autor consegue percorrer, sem grandes traumas, caminhos que vão da extração de raízes cúbicas a demonstrações geométricas mais complexas – sem dúvida uma tarefa das mais desafiadoras para qualquer iniciativa de divulgação científica ligada à matemática. No entanto, comete o pecado de não detalhar o valor e as consequências do feito de Tartaglia/Cardamo para a álgebra, que ficam apenas subentendidos. 

Em última análise, A fórmula secretaapresenta-se como uma ótima opção para conhecer um pouco mais sobre a história da matemática e acompanhar um dos debates científicos mais inflamados do século 16 no campo. Mais do que isso, é uma obra de fácil leitura e uma boa mostra de que é possível abordar temas como álgebra de forma interessante, inteligente e acessível ao grande público. 
A fórmula secreta - Tartaglia, Cardano e o duelo matemático que inflamou a Itália da Renascença
Fábio Toscano

Marcelo Garcia
Revista Ciência Hoje

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