domingo, 1 de setembro de 2013

Fato ou Ficção: as aves (e outras criaturas) abandonam a cria depois que os filhotes são tocados por um humano?

O instinto de proteger a cria não repele esse mecanismo de fuga?

Robynne Boyd


PASSARINHOS: Se um desses tordos for encontrado sozinho no chão, você pode devolvê-lo com segurança ao ninho, sem temer que os pais o abandonem

Imagine uma situação comum de verão: um ninho de passarinho foi feito em um galho baixo de uma macieira. Dentro dele um filhote de “papa-figo” estica suas asas na tentativa de piar. Nesse momento a cabeça de uma garotinha aparece por cima. Com seus dedos gigantes ela toca a ave, com as penas ainda molhadas, para fazer carinho, mas seu pai berra: “Não toque nesse passarinho!”.

De acordo com o saber popular, os pássaros rejeitam os ovos e os filhotes que por alguma razão tiveram contato humano, por mínimo que seja. Essa crença é mais forte em relação aos pássaros, mas negaria o instinto dos pais de alimentar seus filhotes e ignoraria a lei natural básica desses animais. 

Por mais amalucado que o pássaro seja, não abandonará a cria facilmente, e principalmente não por causa do toque de uma pessoa, afirma Frank B. Gill, antigo presidente da União dos Ornitólogos Americanos. “Se um ninho é perturbado por um predador potencial quando está sendo construído, ou enquanto a ave está em período de postura, existe a possibilidade que as aves o abandonem para reconstruí-lo em outro lugar”, explica Gill. “Entretanto, uma vez que eles estão chocando ou com filhotes, os pais são incrivelmente obstinados”. 

Esse mito vem da crença que os pássaros conseguem sentir o cheiro dos humanos. Na verdade, eles possuem um sistema olfativo muito rudimentar, que limita a distinção de odores. Existem alguns pássaros com olfato extraordinário, mas representam adaptações evolutivas. Por exemplo, o urubu-de-cabeça-vermelha é atraído pelo odor de metil-mercaptano, gás produzido durante a decomposição de matéria orgânica (também adicionado ao gás de cozinha para que se possa detectar em caso de vazamentos), enquanto os estorninhos conseguem detectar compostos inseticidas na vegetação, onde constroem seus ninhos para ficar livres dos insetos. Mesmo assim, o olfato das aves não reconhece o odor humano.


COELHINHOS: Por outro lado, os filhotes de coelhos selvagens não devem ser tocados a não ser que você tenha certeza que eles já tenham sido abandonados
Entretanto, há uma boa razão para não mexer em um ninho ocupado. “Na verdade, os pássaros não abandonarão a cria por causa do toque humano, mas deixarão o ninho e os filhotes em resposta à uma perturbação”, explica o biólogo Thomas E. Martin da University of Montana e da U.S. Geological Survey, que tem estudou pássaros da Venezuela à Tasmânia sem provocar abandono. “É mais provável que eles respondam quando a cria está em perigo”.

Em outras palavras, os pássaros, como os economistas, tomam decisões baseadas na relação custo-benefício. Se um pássaro investir muito tempo e energia em chocar e tratar a sua cria, provavelmente (se possível) levará sua prole em um novo ninho, em vez de abandoná-los quando um predador em potencial os descobrir. Pássaros que vivem mais, como o falcão, têm mais aversão ao risco (e são mais sensíveis a perturbações) do que as aves de vida mais curta, como o tordo-americano e outros pássaros cantadores. O primeiro poderia abandonar seus filhotes, mas o outro dificilmente faria isso. 

A mesma lógica se aplica à maioria dos mamíferos. “Em geral, animais selvagens têm uma forte ligação com os filhotes e dificilmente os abandonam”, explica Laura Simon, diretora de campo do Programa de Vida Selvagem Urbana da Sociedade Humanitária dos Estados Unidos.

Na verdade, a maioria das criaturas encontra caminhos extraordinários para manter seus filhotes a salvo. Patos e os pássaros da espécie Charadrius vociferus (conhecidos como “borrelho-de-duas-coleiras”) fingem estar com a asa quebrada para enganar o predador e fazer que eles fiquem longe dos filhotes. Os guaxinins e os esquilos rapidamente re-alocam a prole para lugares mais seguros quando surge uma ameaça em potencial.
Coelhos selvagens são uma exceção à regra. “Esses animais parecem muito mais sensíveis aos humanos e a outros odores. É uma espécie muito estressada” explica Simon. “Às vezes, os coelhos selvagens abandonam a toca quando ela é perturbada, seja por um cortador de grama passando por ali ou se um gato invadir o local”.

Se você suspeita que uma toca foi abandonada, a Sociedade Humanitária recomenda fazer um “X” do lado de fora com uma barbante, esperar aproximadamente dez horas e em seguida verificar se a marcação mudou de lugar. Se o “X” foi empurrado para fora, mas a toca ainda estiver coberta, é um bom sinal, pois é provável que a mãe retornou ao local para cuidar da cria. Se o “X” permanecer intocado após 12 horas do acontecimento traumático, é muito provável que a prole tenha sido abandonada.

É claro que os animais selvagens devem ser perturbados o mínimo possível. Como regra geral ao se deparar com um filhote de pássaro ou qualquer outro tipo de bicho abandonado, é melhor deixá-lo onde foi encontrado. Muitas vezes, os pais o estão observando à distância. Mas se um passarinho é encontrado sem a sua plumagem característica, e o ninho é de acesso fácil, não existe nenhum problema em colocá-lo de volta. Os pais o receberão de asas abertas.
Revista Scientific American Brasil

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