segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Cartéis são prática 'sistêmica', difíceis de provar e punir no Brasil


Para especialistas ouvidos pelo iG, as penas contra a prática do crime são severas, porém o mais difícil é comprovar a prática dos acordos entre empresas concorrentes para aumentar preços e dividir lucros

Os cartéis, ou acordos em que empresas definem previamente quem será o vencedor de uma licitação ou o preço que será cobrado por determinado produto ou serviço, são uma prática “sistêmica” no Brasil. É como avalia o promotor Marcelo Mendroni, do Grupo de Atuação Especial de Repressão à Formação de Cartel e à Lavagem de Dinheiro, e de Recuperação de Ativos (Gedec). Em entrevista na sexta-feira (9) sobre o caso de cartel que envolve governos do PSDB em São Paulo , Mendroni criticou a punição prevista na legislação brasileira, que incentivaria o delito. “Pela lei de hoje, é um crime que compensa", afirmou o promotor.



Juliano Souza de Albuquerque Maranhão, professor da Faculdade de Direito da USP, tem opinião diferente. Para ele, a lei tem “instrumentos efetivos” para evitar o cartel, considerado como hediondo entre os crimes contra a ordem econômica. “A legislação brasileira está bem servida há um bom tempo, há um órgão que investiga e pune”, diz. “Antes o CADE só condenava por prova indireta, por que não havia busca e apreensão, o que na lei de hoje tem.” O advogado ressalta ainda que o CADE tem elevado cada vez mais a multa, que pode chegar a 30% do faturamento da empresa. “O objetivo (da multa) é que ela seja superior ao lucro que ela (a empresa) teria ao se engajar em um cartel”, explica.

Além da multa para a empresa, que pode variar de acordo com a avaliação da gravidade do crime, o executivo envolvido no cartel também pode ser multado e condenado a penas que variam de 2 a 5 anos de prisão. Pelo sistema penal brasileiro, condenações de até 2 anos de prisão podem ser convertidas em penas alternativas, o que evita a reclusão. “O mais importante para deter o cartel é punir os executivos, e não as empresas. Porque a empresa pode calcular se o valor do lucro obtido no cartel for maior do que a multa a ser paga, mas o executivo vai ter que enfrentar a prisão”, analisa Ademir Antonio Pereira Jr, especialista em Direito Econômico. “Pena mais rigorosa pode frear o executivo. A empresa é feita de pessoas.”


Durante entrevista a jornalistas, Mendroni ressaltou que o crime é uma prática constante nas esferas municipal, estadual e nacional, mas que há uma “dificuldade em conseguir provas”. Para tipificar o crime de cartel, a lei permite que sejam consideradas provas diretas, nas quais é possível identificar por meio de um contrato ou uma ata de reunião que houve uma conversa para dividir os clientes ou combinar os preços, ou provas indiretas, que permitem concluir a existência por circunstâncias como preços iguais ou aumento de preços no mesmo período.

O acordo de leniência também é um instrumento que viabiliza as provas de um cartel. Pelo método, previsto na legislação, o membro do cartel que entregar o esquema e colaborar nas investigações obtém imunidade e não pode ser punido. E foi por essa via que a denúncia de cartel para superfaturar as obras de trens e metrô no Estado de São Paulo veio à tona. Como colaborou na denúncia, a Siemens deve ficar livre de punição.

Para Pereira Jr, que considera as penas para o crime “bastante severas” no Brasil, o problema não é o tamanho da pena, mas aplicá-la. “Você pode ter uma pena altíssima, mas que você não consegue provar. Quem faz cartel, faz escondido, por isso é difícil provar”, explica. E a leniência torna-se um instrumento essencial para reunir provas e encorpar antes de levá-lo a julgamento. Essa dificuldade, entretanto, não seria apenas para punir cartel. ”É muito difícil ter uma combinação penal que leve à condenação em crimes de colarinho branco, por isso é difícil vermos prisões”, ressalta Maranhão.

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