The New York Times
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David Relman, de Stanford, pesquisa os micróbios que vivem dentro do corpo humanoEra uma noite de terça-feira, 7 de junho. Um surto assustador de bactérias transmitidas por alimentos estava matando dezenas de pessoas na Alemanha e adoecendo centenas. E os cinco médicos jantando no Da Marco Cucina e Vino, um restaurante em Houston, não conseguiam parar de falar nisso.
O que fariam se algo do gênero acontecesse em Houston? Suponha que um paciente chegasse, morrendo de uma infecção que progredia rapidamente e tivesse origem desconhecida? Como eles poderiam descobrir a causa e impedir uma epidemia? Eles conversaram durante horas, finalmente concordando com uma estratégia.
Naquela noite, um dos médicos, James M. Musser, chefe de patologia e medicina genômica do Methodist Hospital System, teve notícias de uma residente preocupada. Um paciente havia acabado de morrer de uma possível inalação de antraz. O que ela deveria fazer? “Eu sei exatamente o que fazer”, Musser respondeu. “Acabamos de passar três horas falando disso”.
As perguntas eram: foi antraz? Se sim, era uma cepa geneticamente modificada para o bioterrorismo ou uma que normalmente vive no solo? Qual sua periculosidade? Musser sabia que as respostas poderiam vir rapidamente com a tecnologia que permitiria aos investigadores determinarem a sequência completa do genoma do micro-organismo suspeito.
Segundo sustentam Musser e outros, é o começo de uma era na microbiologia. E o tipo de epidemiologia molecular que ele e os colegas desejariam fazer é somente uma parte pequena dela. Novos métodos para o sequenciamento rápido de genomas microbiais completos estão revolucionando o campo.
O primeiro genoma bacteriano foi sequenciado em 1995 – um triunfo à época, que exigiu 13 meses de trabalho. Hoje em dia, os pesquisadores podem sequenciar o DNA que compõe o genoma de um micro-organismo em poucos dias ou, usando os equipamentos mais recentes, num dia. (Já analisá-lo demora mais.) Eles podem, ao mesmo tempo, tirar sequências de todos os micróbios de um dente, da saliva ou de uma amostra de esgoto. E o custo caiu de US$ 1 milhão para cerca de US$ 1.000 por genoma.
Numa entrevista recente, o Dr. David A. Relman, professor de medicina, microbiologia e imunologia em Stanford, escreveu que os pesquisadores haviam publicado 1.554 sequências completas de genomas bacterianos e estavam trabalhando em 4.800 mais. Eles têm sequências de 2.675 espécies de vírus e, dentro delas, sequências de dezenas de milhares de cepas – 40 mil cepas de vírus da gripe, mais de 300 mil cepas de HIV, por exemplo.
Com o rápido sequenciamento do genoma, “somos capazes de olhar o diagrama de um micróbio”, Relman declarou durante entrevista telefônica. É “como receber o manual operacional do carro depois de se tentar resolver um problema durante um tempo”.
Matthew K. Waldor, da Escola de Medicina de Harvard, afirmou que a nova tecnologia “está mudando todos os aspectos da microbiologia – é uma coisa transformadora”.
Um grupo está começando a desenvolver o que chama de mapas meteorológicos de doenças. A ideia é pegar amostras de usinas de tratamento de esgoto ou lugares como metrô ou hospitais e sequenciar rapidamente os genomas de todos os micro-organismos. Isso mostrará exatamente que bactérias e vírus estão presentes e qual sua prevalência.
Com essas ferramentas, os investigadores podem criar uma espécie de mapa meteorológico de padrões de enfermidades. E podem adotar medidas de prevenção contra as que estão começando a surgir – gripe, doenças transmitidas por alimentos ou SARS, por exemplo, ou bactérias resistentes a antibióticos num hospital.
Outras pessoas estão sequenciando genomas para descobrir onde as doenças tiveram origem. Para estudar a peste negra, que varreu a Europa no século 14, os pesquisadores compararam genomas da bactéria de peste bubônica de hoje em dia, que variam levemente de país para país. Trabalhando de forma retroativa, eles conseguiram criar uma árvore genealógica que colocou a origem do micróbio na China, entre 2.600 e 2.800 anos atrás.
Um terceiro grupo de pessoas, incluindo Relman, está examinando o vasto mar de micro-organismos que vivem pacificamente sobre e dentro do corpo humano.
Ele descobriu, por exemplo, que as bactérias na saliva são diferentes das dos dentes e as de um único dente não são iguais às bactérias de um dente adjacente. Segundo os pesquisadores, as bactérias da boca oferecem pistas para a cárie dentária e doenças gengivais, duas das infecções humanas mais comuns.
Um teste prático
Para Musser e seus colegas, o teste prático do que poderiam fazer surgiu naquela noite de junho.
O paciente era um homem de 39 anos que morava a cerca de 120 quilômetros de Houston, numa área relativamente rural. Ele estava soldando em casa quando, repentinamente, não conseguiu mais respirar. Ele começou a tossir sangue e a vomitar. O homem sentia dor na cabeça, na parte superior do abdome e no peito.
No pronto-socorro, a pressão sanguínea estava perigosamente baixa e o coração batia acelerado. Os médicos deram a ele antibiótico intravenoso e o levaram correndo para o Hospital Metodista, em Houston. Ele chegou na noite de sábado, 4 de junho. Apesar dos esforços heroicos, o paciente faleceu dois dias e meio depois, na manhã de terça-feira.
Agora era terça à noite. Segundo a autópsia, todos achavam que a causa parecia ser antraz, na mesma forma incomum – a chamada inalação de antraz – que apavorou a nação em 2001. Mesmo antes da morte do homem, os pesquisadores tinham suspeitas porque os resíduos pulmonares estavam cheios de bactérias em formato de bastonete, uma característica do antraz. Os investigadores reproduziram a bactéria no laboratório, percebendo que as colônias pareciam pilhas de vidro fosco, típicas do antraz, mas também de outros micróbios do gênero Bacillus.
“Sabíamos que tínhamos de resolver aquilo correndo. Era preciso saber com toda certeza com o que estávamos lidando. Foi nessa hora que colocamos em ação um plano para sequenciar o genoma”, contou Musser.
Poucos dias depois encontraram a resposta. A bactéria não era antraz, mas estava intimamente relacionada. Eram de uma cepa diferente de Bacillus: cereus em vez de anthracis.
As bactérias tinham vários genes em comum com os da toxina do antraz, mas continham somente um dos quatro vírus que habitam a bactéria do antraz e contribuem para sua toxicidade. E faltavam nelas um cromossomo miniatura – um plasmídeo – encontrado na bactéria do antraz que também conta com genes de toxina.
A conclusão foi de que a bactéria letal estava ocorrendo de forma natural e, embora fosse intimamente relacionada ao antraz, não era igualmente perigosa.
Então por que esse homem ficou tão doente? Segundo Musser, ele era soldador e os soldadores são singularmente suscetíveis a infecções pulmonares, talvez porque seus pulmões são cronicamente irritados por partículas metálicas finas. Assim, sua doença fatal provavelmente se devia a uma confluência de eventos: soldagem, morar numa área rural onde a bactéria vivia no solo e inspirar a toxina contendo espécies de bactéria.
Waldor e seus colegas fizeram uma pergunta pouca coisa diferente quando o Haiti foi varrido pelo cólera depois do terremoto do ano passado. O cólera não era visto no país há mais de um século. Por que essa epidemia repentina? Rapidamente, os cientistas sequenciaram o genoma da bactéria haitiana e o compararam com cepas de cólera conhecidas do mundo inteiro. No fim das contas, a cepa haitiana era diferente da bactéria da cólera na América Latina e África, mas idêntica à do sul asiático.
Assim os pesquisadores concluíram que o terremoto fora indiretamente responsável pela epidemia. Muitos voluntários que foram ao Haiti moravam no sul da Ásia, onde o cólera era endêmico.
“Provavelmente, um ou mais desses indivíduos levaram o cólera para o Haiti”, disse Waldor.
A cartografia dos mapas de doenças Um dos colaboradores de Waldor naquele estudo, Eric Schadt, quer dar um passo além com a ideia da ciência molecular forense. Schadt, chefe de genética da Escola de Medicina Mount Sinai e diretor-chefe científico da Pacific Biosciences, quer fazer mapas meteorológicos de doenças.
Ele começou com estudos-piloto, primeiro nos escritórios de sua empresa.
Durante vários meses, ela analisou os genomas dos micróbios nas superfícies, como escrivaninhas, computadores e no botão de descarga das privadas. À medida que a temporada de gripe começava, as superfícies passaram a conter mais e mais da cepa da gripe predominante até que, no auge da temporada de gripe, toda superfície tinha os vírus da gripe. A superfície mais contaminada? Os botões de controle dos projetores nas salas de reunião.
“Todo mundo toca neles, que nunca são limpos”, disse Schadt.
Ele também tirou amostras da própria casa e descobriu, para seu desalento, que a alça da geladeira sempre estava contaminada com micróbios que vivem em aves e suínos. Ele percebeu que o motivo se devia ao fato de as pessoas tirarem frios da geladeira, fazerem sanduíches e depois abrirem a porta do refrigerador para guardar os frios sem antes lavar as mãos. “Tenho lavado minhas mãos muito mais agora”, Schadt afirmou.
Segundo ele, o estudo-piloto mais interessante foi a análise do esgoto. ``Se você quiser fazer a pesquisa mais ampla possível, o esgoto é formidável.
Todos contribuem com ele todos os dias’'.
Para sua surpresa, ele viu não apenas micróbios causadores de doenças como também os que vivem em comidas específicas, como frango, pimenta ou tomate.
“Eu falei: 'Uau, até parece epidemiologia da saúde pública’. Poderíamos começar a avaliar a composição da dieta de uma região e correlacioná-la com a saúde”, disse Schadt.
Relman, por sua vez, está se concentrando na vasta massa de micróbios que vivem pacificamente dentro ou sobre o corpo humano. De acordo com ele, existem muitos mais genes bacterianos que vivem sem causar problema dentro de nós do que genes humanos. Um estudo que examinou amostras de fezes de 124 europeus saudáveis encontrou uma média de 536.122 genes únicos em cada amostra, e 99,1 por cento eram de bactérias.
Os genes bacterianos ajudam com a digestão, às vezes de formas inesperadas.
Um estudo recente descobriu que bactérias no intestino de muitos japoneses, mas não nos norte-americanos testados como controle, têm um gene de uma enzima para quebrar um tipo de alga usada para embalar sushi. A bactéria intestinal aparentemente pegava o gene de bactérias marinhas que vivem nesta alga vermelha no mar.
Porém, se essas vastas comunidades de micróbios são tão importantes quanto os pesquisadores pensam que são para manter a saúde, questiona Relman, o que acontece quando as pessoas tomam antibióticos? As comunidades microbianas que estavam no intestino se recuperam? Usando o sequenciamento rápido do genoma de todos os micróbios nas amostras fecais, ele constatou que elas voltavam, mas que a comunidade microbiana não era exatamente igual como antes de ser perturbada por antibióticos. E se uma pessoa toma o mesmo antibiótico uma segunda vez, até seis meses depois da primeira dose, os micróbios demoram mais para voltar e comunidade fica ainda mais avariada.
Agora ele e os colegas estão examinando bebês, pegando amostras de pele, saliva e dentes, no nascimento e durante os dois primeiros anos de vida, uma época em que a estrutura das comunidades microbianas no corpo está sendo estabelecida.
“Nós esperamos os bebês se exporem aos antibióticos – não demora muito”, afirmou Relman.
Segundo ele, o objetivo é avaliar os efeitos dos micróbios nos bebês, principalmente quando recebem doses repetidas de antibióticos que não são verdadeiramente necessárias.
“Tudo tem um custo. O problema é encontrar o equilíbrio certo. Como clínicos, nós não temos olhado o custo à saúde de nossos ecossistemas microbianos”.